domingo, 22 de fevereiro de 2015

Birdman já é o nosso favorito ao Oscar

Ricardo Icassatti Hermano

Eu morava em Natal quando o escritor e dramaturgo Plínio Marcos proferiu uma palestra na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde eu lutava para terminar meu curso de jornalismo iniciado e, depois, terminado em Brasília. Nessa palestra, o escritor já na fase esotérica fez piadas, falou sobre sua vida, experiências e a crença recente em Deus. Ao final, abriu para perguntas por escrito dos alunos e curiosos que encheram metade do auditório.

Escritor, dramaturgo e mago Plínio Marcos

Perguntei como alguém tão culto e vivido havia conseguido encontrar fé suficiente para acreditar em Deus. Irritado, ele disse que não responderia à minha pergunta por considerar "um idiota" quem a havia feito. Como as perguntas haviam sido encaminhadas sem os nomes dos autores, aguardei o final da palestra e fui falar com ele. 

Apresentei-me como o "idiota" que havia feito a pergunta e indaguei por que havia duvidado da sinceridade do meu questionamento. Afinal eu também tinha minhas dúvidas em relação à fé religiosa. Com a pergunta, eu buscava apenas compreender como ele havia chegado até a sua crença. Plínio Marcos me olhou espantado e, com os olhos rasos d'água, me pediu desculpas. Conversamos um bocado.

Mas, esse introdutório serviu para abrir a minha resenha sobre o filme Birdman, favorito ao Oscar de Melhor Filme e outras oito categorias. Vocês vão entender o porquê. Sempre achei que os grandes artistas trafegavam na frágil fronteira entre a loucura e a genialidade. Não sei onde fica essa divisão, pois me parece meio flexível também. O filme é sobre um ator - Riggan Thomson - que no passado interpretou um super-heroi (o tal Birdman) no cinema e se recusou a continuar na sequência.

Cartaz do filme

Entre atores e atrizes rola um certo preconceito com aqueles(as) que fazem sucesso no cinema e ganham milhões interpretando personagens banais. Para ser considerado um artista de verdade precisa atuar em teatro. A migração do cinema para a TV não causa tanto babado, mas já causou no passado até que a Helen Hunt ganhou um Oscar de Melhor Atriz pelo filme Melhor é Impossível. Nos agradecimentos, ela inclusive falou sobre esse preconceito.

Helen Hunt e Jack Nicholson

Enfim, no filme o ator Michael Keaton interpreta o ator Riggan Thomson que por sua vez está interpretando um personagem numa peça de teatro na Broadway. Apesar de ter sido o Birdman há mais de 20 anos, ele não consegue se livrar da fama que o super-heroi lhe trouxe com as pessoas comuns e do descrédito junto ao meio artístico e familiar. Tudo o que o velho ator deseja é o reconhecimento pela sua arte. Para isso, hipotecou a própria casa e escreveu sua versão para uma antiga peça, onde além de atuar também é o diretor.

O personagem continua azucrinando

Michael Keaton aceitou esse papel acredito que pelas semelhanças óbvias com a sua própria carreira. Ele foi o Batman em uma versão antiga e deve ter sofrido todos os preconceitos já citados. Exatamente como Riggan, ele também não aceitou continuar no papel. Parece que o roteiro caiu como uma luva para ele, que estava afastado a bastante tempo do cinema e agora retorna triunfal.

Keaton contracena com Edward Norton, o melhor ator da sua geração

O filme aborda diversos outros aspectos da profissão, como a relação do ator com o elenco, com seu empresário, com o público que o adora pelo Birdman e com uma crítica absolutamente terrível do jornal New York Times. Ninguém acredita no seu esforço artístico, na sua sinceridade artística e na sua viabilidade profissional. Além da relação um tanto esquizofrênica dele com o super-heroi, que rende excelentes cenas no filme, ainda tem o desespero de viver com a criatividade encharcada pela inescapável realidade da miséria humana.

Elenco invejável

Tudo isso, junto com uma direção segura, um elenco estrelado e fotografia excepcional, resultou numa obra prima do cinema e na pergunta: até onde deve ir um artista para provar o seu comprometimento com a arte, a sua sinceridade? Birdman é, de longe, o meu favorito ao Oscar de Melhor Filme. O Café & Conversa assistiu e deu a cotação cinco canecas com louvor. Não percam! Assistam ao trailer:


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Livre, uma caminhada em busca de si mesma

Ricardo Icassatti Hermano 

Está em cartaz o filme Livre (Wild), protagonizado pela competentíssima atriz Reese Witherspoon e com participação emocionante da atriz Laura Dern. A película é baseada no livro de mesmo nome da escritora Cheryl Strayed que, por sua vez, narra a experiência dela ao percorrer a famosa trilha Pacific Crest Trail (PCT), que vai da fronteira dos EUA com o México até a fronteira dos EUA com o Canadá. São exatos 4.184 quilômetros a pé. A paisagem é desbundando, mas os rigores, as dificuldades e os perigos também estão lá em toda a sua crueza natural. Tenho uma certa experiência em trilhas de longa distância, mas ainda não percorri uma distância tão extensa. Após esse filma, me interessei bastante pela PCT.

Cartaz do filme

Não conheço o livro e nem a autora. Fui assistir ao filme por curiosidade e sem maiores pretensões. Mas, acredito que meu subconsciente agiu à sua maneira para me levar até o Caminho de Santiago e o fez novamente para me levar até o cinema. Carreguei os filhotes comigo. Recentemente levei meu caçula para percorrermos a Trilha Inca, que sai de Águas Calientes e vai até Machu Pichu através da Cordilheira dos Andes. 

De vez em quando faço as minhas caminhadas

Esse tipo de caminhada, geralmente solitária, tem efeitos interessantes na forma como vemos o mundo e ordenamos a vida. O que acontece na trilha que percorremos sempre se reflete no nosso caminho interno. E isso gera mudanças permanentes em cada um. Aqueles que se perguntam "o que estou fazendo aqui?" são os que conseguem completar a jornada. Aqueles que têm certeza dos motivos que os levaram até lá são os que desistem em algum ponto. E todos os impedimentos estão fora e dentro, dentro e fora. Eu me incluo entre os primeiros. 

Um passo após o outro em direção a si mesmo

Nas minhas caminhadas, vi muita gente desistindo pelos mais variados motivos. Desde cansaço puro e simples até um pé na bunda dado pela noiva. Também vi uma moça que não desistiu nem depois de perder todas as unhas dos pés. Quando me perguntaram por que eu continuava, disse que apenas não conseguia parar de andar. Nunca me passou pela cabeça a ideia ou a vontade de desistir. Essa opção não existia. Tudo o que queria era andar porque a cada dia eu conhecia mais a meu respeito, mais me aproximava de uma área interior onde podia enfrentar meus conflitos, exorcizar um monte de demônios e alcançar um estado sólido de paz. Nem mesmo um tendão estourado na canela me fez parar no Caminho de Santiago. 

A caminhada prossegue mesmo após chegarmos ao destino final

As longas trilhas nos ensinam muito. Principalmente sobre a nossa responsabilidade sobre tudo o que nos acontece. A escolha é sempre nossa. Levou uma mochila monstruosa cheia de coisas inúteis? Usou uma bota apertada e estourou os pés? Forçou a caminhada e teve uma lesão? Esqueceu de levar água suficiente? Você não procurou se informar antes, agora se vira! Não há outra pessoa a quem culpar pelas suas escolhas, pelos seus erros. As dificuldades sempre estarão em nossas vidas, mas tudo depende daquilo em que você foca. Outra escolha. Você quer ficar preso às dificuldades ou se maravilhar com o lado bom? E o filme Livre é exatamente sobre isso.

Momentos de descanso e de reflexão

Cheryl Strayed vinha de uma família pobre. Tinha uma mãe amorosa, gentil e que se preocupava em dar o melhor para os seus filhos. Mas, a pobreza traz junto o baixo conhecimento, a pouca ou nenhuma cultura e os dramas decorrentes. A vida havia sido dura para Cheryl, mas se tornou uma tragédia quando a mãe, que representava o seu ponto de equilíbrio, seu porto seguro, morreu aos 45 anos de idade. Completamente desorientada, sua vida se transforma num inferno. O mesmo caos se instalou em seu interior. 

Autora e atriz. Nenhuma das duas saiu a mesma da experiência

Mesmo assim, o amor de sua mãe predominou e foi a lembrança dele que levou Cheryl a se lançar na aventura de percorrer toda a Pacific Crest Trail. Era a maneira de tentar mostrar à sua mãe que ela era ou poderia ser a mulher que ela queria que fosse. Sem saber o motivo real, ela sai em busca de si mesma. Sem medo, sem hesitar e sem desistir. Aos poucos, ela vai se encontrando, se resolvendo, se exorcizando, encontrando a paz necessária para poder enxergar com a necessária clareza e ordenar sua vida na direção contrária ao inferno. Anos depois, ela escreveu o livro com a sensibilidade, a sinceridade e a coragem de quem sabe quem é e do que é capaz.

Longo não é o caminho. Longo é o aprendizado

Café & Conversa assistiu, se emocionou e recomenda com a cotação cinco canecas. Assista e depois agende uma trilha em sua vida. Você vai nos agradecer depois. Veja o trailer.