sábado, 3 de março de 2012

J. Edgar e a Oncinha Fedorenta

Ricardo Icassatti Hermano

Intimado por Little Mary, fui com ela assistir o filme não oscarizado J. Edgar, que deveria ser uma coisa - de acordo com a propaganda - e acabou sendo outra. Havia acompanhado o buxixo pré-lançamento. Gosto muito das entrevistas com diretores e protagonistas, pois sempre sai alguma revelação. Me chamou a atenção a insistência dos jornalistas em perguntar ao diretor Clint Eastwood sobre o homossexualismo do homem que inventou o FBI (Federal Bureau of Investigation).

Cartaz do filme

Interessante notar que, nos Estados Unidos, essa força policial federal está subordinada ao Departamento de Justiça, através do Procurador Geral (Attorney General). Aqui no Brasil, a Polícia Federal está subordinada ao Ministério da Justiça. Lá, quem expede autorizações para grampos é o Procurador Geral e, em alguns casos, o próprio FBI pode tomar a iniciativa. Aqui, somente um juiz pode autorizar grampo. Mas, isso é uma outra história.

Di Caprio interpreta Hoover em várias idades

Apesar de ser um republicano da gema, filiado ao partido desde 1951, Clint Eastwood não poupou J. Edgar Hoover. O filme destrói a figura pública e a imagem construída pelo criador do FBI ao longo de 48 anos. Como eu dizia, gosto de acompanhar os buxixos de pré-lançamento e vi algumas entrevistas com o diretor, que foi insistentemente questionado sobre o foco no homossexualismo de Hoover. O diretor, meio sem graça, se esquivou como pôde e disse que a sua intenção sempre foi mostrar a obra deixada pelo visionário que trouxe a ciência para a investigação policial.

Como podemos observar, Hoover não era
um bonitão como o Di Caprio

Mas, após assistir o filme tive certeza que a tal "obra" se limitou quase completamente ao caso homossexual de Hoover com seu sub-diretor Clyde Tolson, que foi seu "companheiro" por toda a vida. A parte da "obra" que seria interessante, serviu apenas como cenário, pano de fundo. Por que Clint teria feito isso? Se a intenção era mostrar como o homossexualismo de Hoover poderia ter influenciado a sua atuação à frente do FBI, isso não foi alcançado. Faltou o link que teria dado sentido ao filme. Do jeito que está, parece uma colcha de retalhos.

J. Edgar Hoover e Clyde Tolson formam o par romântico do filme ...

Eastwood lançou mão do mesmo artifício narrativo utilizado em outro filme: A Dama de Ferro. Cenas de um J. Edgar Hoover no fim da vida ditando suas memórias a outros agentes novinhos e estranhamente afetados, vão se intercalando com cenas do jovem brilhante, determinado e obcecado por segredos que soube usar para sobreviver a oito presidentes, 18 secretários de Justiça e se manter no cargo por quase cinco décadas. O problema é que se sabe muito pouco sobre essa lado da vida de Hoover. O que se sabe, foi produzido pelo seu marketing constante.

Hoover e Tolson

Ao longo da minha vida profissional tenho lidado com gente que persegue o poder. Poucos conseguem chegar lá e esses compartilham de uma característica peculiar: querem a todo custo reinventar o próprio passado. Hoover fez tudo para ser o heroi que imaginou, o homem másculo que não era, o líder poderoso e imaculado dos sonhos da sua mãe. Um prato cheio para Freud ... No filme, é retratado como uma bichona amargurada por não ter podido compatibilizar o seu projeto de poder com a abertura das portas do armário.

Será que Hoover gostaria de ser interpretado por Di Caprio?

Talvez Clint Eastwood não goste do Hoover, ou do FBI, sei lá eu. Dizem que o cara se manteve tanto tempo no cargo à custa de muita chantagem com informações confidenciais. Mas, não há como confirmar. O seu arquivo secreto desapareceu. Fora isso, comentou-se muito sobre a maquiagem, que hoje em dia causa assombro. Mas, pisaram na bola em pelo menos um dos personagens, o amante de Hoover. Os efeitos digitais para colocar um rosto no presidente "Nixon" também são toscos.

É claro que continuo fã do cara que recusa Photoshop

A atuação do Leonardo di Caprio está OK, mas parece forçada em alguns momentos. Talvez seja a forma meio caricata de falar em público. Embora não tenha gostado do filme, continuo fã de carteirinha do Clint Eastwood. E aí você grita daí: "e a oncinha fedorenta?"

Well, Little Mary é goianinha do pé rachado. Uma trabalhadora braçal que se levanta com as galinhas e se deita com o por do sol. Mulher, goiana, trabalhadora rural, jornalista. Passou a infância no lombo dos cavalos, aparteando gado, tirando leite de vaca e castrando porco. Mulé valente das mãozinhas calejadas, viajou o mundo, mas nunca conseguiu se adaptar à vida urbana. 

Mulher trabalhadeira, já dizia a poetisa Cora Coralina

Assim, não me surpreendi quando, já no escurinho do cinema, flagrei Little Mary retirando um saco plástico do fundo da bolsa. Ao abri-lo, reconheci imediatamente o aroma do tradicional petisco camponês: farofa de frango desfiado. Ela pegava um punhado daquilo, apertava várias vezes até formar um bolinho sólido, no formato de um quibe, e, num movimento rápido, jogava para dentro da boca, seguido de grandes goles de cerveja. Ainda bem que não era um arroz de pequi ...

Aroma inconfundível e, tipo assim, uma comfort food para Little Mary

A situação - vamos chamar assim - me lembrou a antiga piada da moça que tenta viajar com uma oncinha. Eu disse para Little Mary, que lutava para limpar os dedinhos engordurados e não via a farofa em torno da boca: 

- Se alguém reclamar que a oncinha está fedendo, eu aponto pra você e digo que a oncinha é sua ...
- Que oncinha?
- A da piada. Não conhece?
- Não ... nunca ouvi essa piada. Conta aí.
- Uma mulher foi visitar a família que morava em um vilarejo no final da Rodovia Transamazônica. Na hora de voltar, os parentes lhe deram de presente um filhote de onça. Diante da proibição legal de viajar com animais silvestres, ela colocou a oncinha debaixo da saia e entre as pernas, onde ficaria bem escondida.
A viagem longa somada ao calor amazônico, logo a oncinha começa a exalar um forte e mau cheiro que impesteia o fundo do ônibus.
Um passageiro, que percebera o que ela levava, se levanta, vai ao motorista e denuncia:
- Motorista, uma das passageiras está levando uma oncinha, que está provocando o maior fedor, lá no fundo!
O motorista, imediatamente para o ônibus, se levanta da poltrona, vira-se para os passageiros e diz;
- A mulher que está com a oncinha fedendo, favor descer do ônibus!
15 mulheres se levantaram e saíram, rapidinho ...

Veja o trailer do filme J. Edgar.


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