sábado, 7 de janeiro de 2012

Expedição ao Monte Roraima - Parte 5

Ricardo Icassatti Hermano

O dia amanheceu e nos encontrou excitados, agitados. Começava o nosso retorno ao mundo civilizado. Minha alma ainda não dera notícias, mas eu não estava preocupado. Sabia que estava protegido e que ela voltaria no momento em que achasse apropriado. O café da manhã foi reforçado com ovos mexidos, mortadela, queijo, pão, sucrilhos, chocolate quente e café. Era para tirar a barriga da miséria mesmo.

Agitação e fartura no café da manhã. Rosinha já defendendo o dela

A descida seria muito mais perigosa e sacrificante do que a subida. Os joelhos seriam muito mais exigidos e, como explicou a atleta do grupo Carina Ulsen, outros grupos musculares entrariam em ação. Em relação à altitude, já estávamos aclimatados. Portanto, a descida não teria qualquer problema nesse aspecto, pois teríamos mais e mais oxigênio a cada metro descido. Fiz os curativos e a proteção com esparadrapo no pé. 

Mais um flagrante do café da manhã

A caminho do paredão, o nosso guia Tirso (se escreve Yirso, me avisa a Carina) sugeriu irmos até o ponto mais alto do Roraima, que fica no topo de uma formação rochosa chamada "Maverick", pois olhando de perfil - e com muita imaginação - se assemelha ao carro que fez sucesso nos anos 70. O tempo estava meio indefinido, meio nublado meio sol, mas topamos. E foi a decisão mais acertada que tomamos. A sorte estava ao nosso lado.

Foi isso o que encontramos em cima do "Maverick"

Quando chegamos ao ponto mais alto o sol brilhava a todo vapor. As nuvens haviam descido e o céu estava absolutamente claro, limpo e luminoso. Podíamos ver quilômetros em volta, pois estávamos na beirada do monte, com um precipício vertical de quase um quilômetro à nossa frente. Lindo, deslumbrante, acachapante, vertiginoso, magistral. A natureza com toda a sua força e beleza e nós ali no meio dela.

Chegando ao topo do mundo

Fiz algumas fotos e vídeos com meu iPhone. Logo após terminar o vídeo da minha chegada ao ponto mais alto, a minha alma retornou ao meu corpo. No momento certo. Eu estava elevado, feliz, realizado, entorpecido, iluminado, pleno de vida quando ela me encontrou. Instantaneamente soube dos encontros dela com meu pai e o Seu Aires, um palestrante do centro espírita que frequento, falecido pouco antes do Natal. 

O fim do mundo e a curvatura da Terra

Todos estavam muito bem e as conversas foram muito boas. Minha alma ainda se encontrou com outras almas que não conheço e se divertiu um bocado por ali. Agora eu estava pronto para retornar. Havia perdido uns quilos, meu batimento cardíaco estava bem baixo, minha respiração bem longa. A paz me envolveu como as nuvens do Roraima.

A parte mais alta do Roraima é essa pedrinha no topo da pilha
E olha a Carina em seu momento de paz também

De repente me lembrei de quando era garoto e de como gostava dos gibis e filmes do Tarzan, aqueles em preto e branco protagonizados pelo Johnny Weissmuller. Pratiquei meses a fio até imitar perfeitamente o famoso grito do homem macaco. Não tive dúvida. Fui até a beirada e soltei o grito. A Andrea se empolgou e soltou seu grito também. Em seguida me disse sorrindo: "É muito bom gritar daqui de cima". Era só o que eu precisava para soltar meu segundo grito de Tarzan. Na meia hora seguinte, eu tinha um sorriso grudado no rosto.

Minha alma voltou, agora eu tenho a força : )

Minutos depois, as nuvens retornaram e rapidamente cobriram o topo do monte. Tudo voltou ao normal e nós partimos em direção ao acampamento base. Conforme a programação, dessa vez não dormiríamos lá, apenas almoçaríamos e seguiríamos adiante até o acampamento do Rio Ték. Seria uma descida de 15,5 quilômetros. Andaríamos o dia todo. Minhas pernas ainda doíam, mas o negócio era seguir em frente. Chegando ao Rio Ték, tomaria um banho demorado. A água que no primeiro dia parecia gelada, depois do Monte Roraima seria uma banheira de água quente.



A descida foi como o esperado. Sofrida, dolorida e difícil. Minha bota tem o bico afinado, pois é feita para trekking e não para escaladas. Um bico largo seria melhor. Na descida, o peso do corpo empurra os dedos dos pés para a frente e, depois de horas assim, chega um momento em que o bicho pega. Aos poucos fui perdendo a sensibilidade nos dedos, mas as solas queimavam. Normal, faz parte do pacote.

Rosinha e seu modelito Tuareg Fashion para escapar dos paparazzi

Após o almoço, pegamos o terreno irregular e não menos cansativo. Ainda era 90% descida até o Rio Ték. Saímos de 2.800 metros de altitude e chegaríamos ao acampamento onde iríamos dormir a 1,3 mil metros de altitude. Mais alto que Brasília! A maior parte do caminho fiz sozinho, mas também andei com um e outro integrante do grupo. Eram momentos relaxantes porque conversávamos um bocado e esquecíamos das dores.

O grande e poderoso Maverick

Também tive a inesperada e indesejada companhia de uma cascavel ... Ela chocalhou duas vezes escondida num capinzal à minha esquerda. Parei, peguei uma pedra, descobri onde ela estava e dei-lhe uma pedrada. A cobra saiu em disparada enquanto eu gritava: "Vai balançar esse rabo pra outro! Piriguete!".

Na travessia do Rio Kukenan, sofremos um ataque maciço de borrachudos. As únicas partes do meu corpo que estavam descobertas e sem a proteção do repelente eram as canelas. Subi as calças para atravessar o rio e enquanto abria a mochila para pegar o spray, os malditos borrachudos atacaram. Foi uma carnificina. O Cido estava sem camisa e sofreu mais. 

Quando finalmente avistei o Rio Ték e o acampamento quase nem acreditei. Eram umas 16h e liguei o piloto automático porque minhas pernas já não obedeciam ao cérebro. "Seja o que Deus quiser", pensei. E me joguei ladeira abaixo. Ao retirar as botas, descobri que havia perdido a sensibilidade nos dedões dos pés. Algum nervo foi esmagado e resultou nisso. Mas, é só esperar que volta. Todos os ferimentos que tive são curáveis.

Rio Ték e o Monte Roraima aberto para que pudéssemos nos despedir

O banho foi demorado e caprichado. Limpei tudo : ) Mas, por dentro, estava seco como um radiador estourado. Por mais água que eu bebesse, a sede não me largava. O Roberto veio me dizer que tinha cerveja quente numa pequena venda dos índios, mas na verdade eu queria uma Coca Cola gelada, não sei porquê.

Acabei tomando uma cerveja quente enquanto aguardava a chegada da Coca Cola. Eu nem tomo refrigerante, mas acho que aquela lata vermelha simbolizava o retorno à civilização e seus venenos. Ou só estava com falta de potássio mesmo. Vai saber ... O fato é que estava deliciosa.

Rosinha chegou já anoitecendo. Desviaram um pouco do caminho para conhecer uma velha Xamã, me disse ela. O jantar foi uma festa. Estávamos todos muito cansados, mas felizes por termos realizado a proeza de termos voltado inteiros. Nenhum acidente, ferimento ou doença grave. Só isso já merecia uma comemoração. 

Assim, nossos guias e a equipe de índios que nos assistiram nos últimos cinco dias prepararam uma massa "roraimera" e providenciaram as cervejas quentes. Tirso se encarregou de nos entreter com um dos melhores shows de comédia stand up que já assisti. Rimos até não aguentar mais e fomos dormir empanturrados e exaustos. Minha alma e eu estávamos sintonizados. A paz me abraçou e não soltou mais. 

Ainda teríamos 14 quilômetros no dia seguinte. Antes de entrar na barraca, olhei para o céu estrelado. Não é como na cidade. Eu vi todas as constelações e o planeta Vênus brilhando solenemente. A lua em quarto crescente estava tão clara que fazia sombra. Respirei profundamente para não esquecer mais o cheiro daquele lugar. Senti uma ponta de saudade. Aqueles tinham sido dias mágicos em companhia de gente da melhor qualidade.

Amanhã eu conto o final dessa jornada. 

Um comentário:

Nora disse...

Voce sabe como nos levar junto... Me emocionei e ri com voce : )

Amanhã estarei por aqui: )

Nora